quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Histórias do Brasil

Bom, já tem um tempo que eu não posto nada em virtude das correrias banda, trabalho e familia(que maravilha) e outras coisas mais. Dia desses numas idéias com a Bia, ela me sacou um caderninho com algumas anotações da nossa viagem de Belém no Pará até Cachoeira na Bahia em abril deste ano e lá estavam alguns depoimentos ou diálogos que presenciamos pelo caminho. Os lugares que visitamos não foi o padrão de revista de turismo, porém muita areia pelo sertão afora com os pingas-pingas da vida por estarmos fora de temporada, rolou e rolou bem. Sem contratempos. Curtimos e ouvimos muitas coisas e um pouco delas escrevo aqui. Não dá prá reproduzir na integra o que foi dito até porque muitas coisas passaram batido, mas segue ai trechos e personagens.



Rafael Ilha de Cotijuba-Baía de Marajó-Pará: "Primeiro a gente sobe no açaí e pega os cachos, né?!! Aí, amorna uma água e tempera com água fria e põe o açaí. Ele vai soltar a casca e inchar, aí bota na máquina. A primeira maquina que eu fiz era de madeira...Nóis memo que rodava."


"Lá "ceis" chama de centro onde tem os prédios assim, né? De centro, né?! Aqui nóis chama de centro lá no meio dos mato onde o pessoal trabalha na roça. Fazendo mandioca, pegando açaí... Pecuária...Lá é o nosso centro."


"...minha família mesmo é "mei" marajoara "mei" camataense... ahh!!! Ninguém come sem açaí. Se não tiver açaí é o mesmo que não ter comida."


"Eu tinha um tio que uma vez me chamou prá ir na casa dele e compramos uns vinhos e ficamos ouvindo a noite toda Racionais. Muito firme, muleque! Ouvimos muito! Aí uns 2 dias depois, cê vê como as coisa são, ele morreu. Era assalto a banco. Eles eram em quatro. 67 mil, 67 mil!! Eles pegaram uma refém e sairam feito doido e a policia atráz. Mas eles caíram numa rua sem saída e fugiram pelo mato á pé. Só que o parceiro dele, que tava com a refém, se separou e correu só... A policia não perdoou, 7 tiros de fuzil. O cara fugiu com 34 mil, o resto morreu todo mundo. Eu vi os buraco das balas...Enorme. Eu não sai do lado dele. O corpo demorou 2 dias para sair do IML. Chegou lá em casa sem nada. Não fizeram nada, nem um formol. O corpo já tava fedido de podre. A gente ajeitou, pôs roupa e no caixão. A ultima imagem que eu tenho do meu tio é de um corpo destruido já todp inchado. Eu já perdi outras pessoas, mas esse meu tio eu dava muito valor. Foi o unico que eu chorei. Eu gostava dele.


Ilha de Cotijuba 07/04/2010


Na hora do Almoço.


"A Senhora não tem nenhum caldo ai?


Não, nenhum!


Ela não pode comer carne...


Tem que ser coisa com caldo. Tem que ser caldo. Nem que seja feijão. Vê se ela não tem feijão.


A Senhora não tem um caldo de nada? É que a menina acabou de ter um bebê... Do Marajó...


Lá em casa tem um cozido, mas como é que busca?


É que ela precisa... Não comeu nada.


Vai lá busca!


Ceis vieram de Marajó hoje?


É! Ela tava sentindo muita dor, mas não era aquela dor, sabe? Mas quando a gente tava vindo prá cá num deu meia hora e o nenê nasceu... Ele ficou vivo umas duas horas, mas era prematuro de 7 meses, não tinha nada prá ajudar ele respirar... E ela não comeu nada. Tomou café às 7 horas da manhã mas já é 1 hora da tarde. Prá quem teve um bebê..."


Moças de Marajó em Cotijuba( Atravessaram para usar o posto de saúde da ilha por causa do parto prematuro de uma delas, não deu tempo e a criança nasceu e morreu na travessia. Não tirei fotos.)



Maria Batissá de Alcantara-MA

Pai de Moçambique

Mãe de Angola

"Até os 22 anos eu vivia na comunidade Quilombola. Só fazia coisa de roça. Carpia, quebrava côco, entrava no mato..."

"Eu gosto de fruta do mato: Murici, ajuru, caju. Goiaba só gosto da dura, mas agora eu não tenho mais dentes..."

"Todo dia eu escutava o mesmo batuque batendo algodão. Eu não esqueço. Nunca vou esquecer a batida do algodão."

"Eu queria me aposentar como parteira. Eu fiz muito parto nessa Alcântara. Fazia parto, dava leite. Sou mãe de leite de muita gente. Sabia quando tava atravessado, quando a cabeça tava prá baixo, quando tava prá cima. Fazia parto também. Se a mulher fosse muito cerrada(apertada)demais, eu cortava com alho prá abrir. E prá nascer a placenta ela sentava numa bacia de ervas. As vezes o nenê nasce e a placenta não. Esse é o problema. Em pouco tempo a "muié" morre."

Chico do Mangue-Canoeiro-Alcântara-MA

Num passeio de canoa pelos igarapés de Alcântara, perguntamos ao canoeiro Chico do Mangue se ele se importava com o fato de a gente fumar um cigarrinho "daquele". Ele respondeu:

"Tem problema não...Eu não gosto é de ladrão. Tem policia que não gosta de maluco, eu não gosto é de ladrão. Prá mim isso é fuma o mesmo que mato. Mato que os índios fumava. Se eu vê alguém vender e vir me perguntar eu digo que não vi e ainda vou lá e digo que Fulano perguntou, mas se eu ver alguém tirando algo de alguém..."